Tive um date no cemitério

Conheci a Laura no trabalho. Engraçada, bonita e atlética. Tivemos química imediatamente mas ela é galega e não é fácil estar com ela. Quando a oportunidade surgiu disse-lhe em bom portunhol um quieres ir dar una vuelta? Umas semanas depois ela veio cá à empresa e disse-me que si, espontâneamente.

Eu não sou um gajo romântico. Não tenho uma lista de sítios pronto-socorro para levar a passear uma mulher que está fora da minha liga. Penso no melhor sítio e lembro-me da capela da minha freguesia, que tem ótima vista e fica uns metros acima da igreja.

Acesso à capela de carro estava cortado. Temos que subir a pé uma quantidade ridícula de escadas. Tudo bem para esta mulher que é o fitness em pessoa, mas hoje em dia eu ainda sou escolhido para ser guarda-redes quando vou jogar à bola. Chegamos lá cima e estou esbaforido.

A Laura diz-me que o sítio é muy guapo enquanto estou a fazer guinchos respiratórios que a deixam preocupada. Componho-me e dou o meu melhor para ela não notar que ela tem areia para uma praia inteira e este camião nem inspeção tem.

Segue-se então uma boa conversa. Rimo-nos muito. Estamos aos beijos. As coisas progridem. Ela pergunta-me se tenho preservativos. Eu fico branco.

Valete, se estás a ler isto: eu compreendo-te. Aliás, acho que nunca ninguém em Portugal te compreendeu tanto como eu. Porque depois de fazer aquela subida toda eu apercebi-me que deixei os preservativos no carro. E eu não vou deixar uma oportunidade destas passar ao lado. Faço-me homem e vou lá baixo por um atalho no meio do monte.

Laura, volto já. Vou, obviamente, a sprintar a toda a velocidade. A meio do caminho tropeço em alguma coisa, deslizo pela terra e caio para uma parte de trás de um descampado em obras - uma parte do cemitério que está a ser renovada. Tento subir de volta pelo caminho onde caí. Muito íngreme. Procuro um caminho para sair. Portões encerram automaticamente. Única saída está bloqueada por uma giratória das obras.

Estou todo borrado de terra, de pau feito e perdido no meio do cemitério. Começo a tentar chamar pela Laura, que estava ainda a alguns metros. Depois de alguns berros desisto de fazer barulho. Ouço um "boa noite" vindo do meio do cemitério. É o Chaves.

O Chaves é o coveiro da freguesia. Não é exatamente bêbado mas se fosse talvez seria melhor, dado que este homem é um perigo para ele e para os outros. Foi roubar fruta e partiu os dois braços ao cair da escada. Carrega frequentemente bilhas de gás de 40kg rebolando-as pela estrada nacional num calor de 35º até a polícia aparecer.

O Chaves diz-me que não posso estar ali e que aquilo está fechado.

Pois chefe, isso sei eu. Estou aqui com o navio pronto a embarcar, a mulher à minha espera e não sei como sair daqui. O Chaves diz-me que só dá para sair tirando a máquina e ele não tem a chave. Ou se liga ao presidente da junta ou passo aqui a noite. Lá liga ao homem e ele não atende. Pergunto-lhe como é que ele sai em casos de emergência.

Não me responde. Começa a cavar. Oh caralho. Eu não sei que jogo mental o homem estava a jogar comigo mas eu tinha a certeza que ele não ia passar ali a noite. Alguma forma haveria de ter para sair e ele não me está a dizer.

Estou desesperado. Virei-me para o Chaves e disse-lhe: dou-te 20 paus se me ajudares a sair daqui e não conto a ninguém como é que faço. O Chaves diz-me que dorme lá. No cemitério, Chaves? Diz-me que já não vive com a mulher porque ela viu umas coisas que não gostou (segundo rumores da minha avó foram revistas pornográficas) e disse-lhe que não era mais aceite lá em casa. Ainda está a tentar voltar para ela mas não está fácil.

Eu não sei como reagir. Fiquei a olhar para ele durante um sólido minuto enquanto considero que a minha vida podia estar muito pior. Estou a tentar puxar pela cabeça para realizar a minha fuga.

Nisto, ouço a Laura, à minha procura pelo caminho onde caí. Já se deveria ter passado um bom tempo.

LAURAAAAAAAAAAAAAAAA

Ela pergunta-me que estou hacendo ali?! E digo-lhe o que se passou. Ela fica confusa. Apercebo-me que as minhas possibilidades de ter sorte hoje são mais fracas do que as do Chaves.

Ela lá tenta pegar num tronco para me puxar mas não dá. Tentamos outras estratégias mas nada resulta.

Soube que esta não era uma mulher qualquer quando a Laura me diz voy ter contigo e desce pela colina. Senta-se à minha beira e ficamos os dois, sujos de terra e a ver o Chaves a cavar.

Estranhamente, ficamos mesmo bem lá. Conversamos mais e ficamo-nos a conhecer melhor enquanto penso que não há nada mais romântico do que estares num cemitério com uma mulher linda de morrer a ver o toino da freguesia a fazer o seu trabalho. Passa-se uma hora. Ainda não ligamos a ninguém para nos vir buscar. Duas horas e o Chaves pára de trabalhar. Três horas e o Chaves recebe uma chamada. É o presidente da junta, pensamos nós. O Chaves vai à maquina, destranca-a com a chave que disse que não tinha, passa pelo meio da máquina, tranca-a e sai do cemitério. Continua a andar.

Filho.

Da.

Puta.

Enquanto isto acontece. eu estou a berrar pelo Chaves e a pensar no jajão que este homem me pregou.

Fartei-me. É 1 da manhã e decido ligar à minha irmã para me vir trazer uma escada ao cemitério e para vir rápido porque estou num date. Ela acha que estou bêbado e a gozar com ela. Desliga-me na cara.

Ligo a outras pessoas da família e ninguém me atende. Estou a tentar contactar todos os números que posso. A única opção que resta é ficar lá até às 6 da manhã até ao portão automático abrir e eu perco a ilusão de que este date vai correr bem. Até que o Zé, meu vizinho, me atende. Fala-me arrastado e não diz nada de jeito, mas diz que vai aparecer. Cruzo os dedos.

Passa-se um bom tempo e retorna o Chaves da sua aventura. Vou ter com ele e pergunto-lhe porque raios é que me haveria dizer que não tinha chave.

Ele começa a resmungar, a dizer que não tem que tomar conta de nós. Eu digo-lhe que ele devia ter ajudado. O Chaves empurra-me e começa a pegar na pá. Estou a stressar, mas não quero andar à porrada porque ainda por cima este gajo é todo fibrado. Empurra-me outra vez e tenta prender-me os braços. Estou a tentar soltar-me mas ele começa a dar-me joelhadas.

A Laura pega num sírio de vidro e bate-lhe na cabeça. Não parte. Ele fica muito quieto durante uns segundos. A Laura está em choque. Eu começo a empurrá-lo para outro sítio e ele cai no chão. Oh não. Matámos o Chaves, penso eu, enquanto começamos os dois a ter um ataque de pânico.

O homem lá fica deitado no chão. Não há sangue e ele está acordado mas zonzo. Estamos a rezar a todos os deuses para que o homem esteja bem.Eu dou umas chapadas ao homem para ver se ele reage mas ele só faz grunhidos. Bom, não está morto. Já não temos bateria no telemóvel. Passam-se uns minutos e ele pede-me àgua.

Vou encher uma garrafa à torneira do cemitério e vejo o Zé lá fora a fumar um cigarro. Corro para a vedação.

- ZÉ! ANDA CÁ CARALHO

Ele olha na minha direção e vê um gajo todo borrado a acenar com as mãos de dentro do cemitério. Aproxima-se com a lentidão de um caracol.

- Tava-te a ligar e tu nada. O kék tás a fazer no cemitério a esta hora, pá?

- Ó primaço liga mas é a uma ambulância que tá ali um gajo estendido. E arranja uma escada por amor de deus.

O Zé, apesar de claramente já ter 10 minis no bucho, liga a um primo dele que vive ali perto para trazer uma escada. Não lhe explica nada de jeito e diz-lhe para vir ao cemitério, quase 2 da manhã, com uma escada.

O primo desliga-lhe na cara porque achou que ele estava a gozar com ele. O Chaves está a levantar-se e o Zé fica a olhar para o cemitério e a perguntar porque é que está um gajo a sair de uma cova no cemitério. Isto é o Walking Dead ou o caralho? Os zombies são para depois Zé, agora temos que ver se o Chaves não morre.

O Chaves está fixe. Meteu-se a pé. Peço-lhe desculpa pela situação e ele diz que não há problema assim também não tem que trabalhar. Não quer ambulâncias que essa treta é cara. Começa a balbuciar o nome da mulher dele, que até hoje ainda não sei qual é.

Decidimos levá-lo lá à casa dele e bater à porta, com um Chaves ainda meio zonzo

A mulher dele sai com uma motosserra desligada na mão - a coisa menos ameaçadora de sempre, principalmente porque não tinha corrente - enquanto grita:

- EU MATO-VOS CARALHO! A MIM NINGUÉM ME ASSALTA

- Ó SENHORA TENHA CALMA É O SEU MARIDO ELE NÃO ESTÁ MUITO BEM E PRECISA DE UM SÍTIO PARA DESCANSAR

- ESSE FILHO DA PUTA PODE MORRER QUE EU NÃO QUERO SABER!

 - ELE ESTÁ MEIO DESMAIADO PODE SÓ TER CALMA E VER?

A mulher lá vê que estamos a dizer a verdade. Vê que ele tem um galo enorme na cabeça e vai buscar gelo. Pedimos-lhe se pode ficar com ele, para ver se o homem passa bem a noite. Depois de alguma discussão, ela lá diz que sim e vamo-nos embora. O Zé volta para o tasco. Eu volto ao meu date com a Laura.

Estamos a chegar ao carro e a Laura diz-me que somos grandes wingman e eu confirmo. Efetivamente reatamos a relação do Chaves - alguma coisa boa que aconteça ao homem.  Pergunto-lhe se ela quer ir para o cemitério acabar o date, na brincadeira. Ela diz que no poderia haber un lugar mellor.

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