Último sábado fiquei a tomar conta do filho de um amigo meu - o Berto. O Berto tem 8 anos. Vou com ele dar uma volta para jantar porque mais vale a pena levá-lo a comer alguma coisa decente em vez de lhe estar a dar a dieta uber eats de um gajo solteiro.
Chegamos a um tasco, desvio o olhar durante 5 segundos e o puto vai a correr contra a porta. Esbardalha-se o vidro todo. Começa a chorar baba e ranho. Sangue por todo o lado. Estou em pânico, o pessoal vem ajudar, uma enfermeira aparece e começa a ver o puto. Está tudo bem, foram só uns cortes no braço e nenhum deles profundo. Respiro de alívio e ligo para o pai. Digo que está tudo bem, explico o que se passou e eu espero uma reação de preocupação deles quase exagerada como se fosse o pior amigo de sempre . O pai pergunta-me: "a porta estava segura?"
Eu fico confuso. Como assim a porta está segura?
O pai começa-me a contar que o Berto gosta de testar o limite das coisas para ver quando é que partem. Algo que assumo que todos os putos fazem, mas o problema é a dimensão dos hábitos do Berto porque este puto é kamikaze.
Aparentemente o Berto há uns tempos atrás foi de bicicleta contra o portão de casa. Uma chapa de metal mais alta do que um gajo. O pai manda-me o vídeo da câmara de segurança. Um acidente normal? Não.
O puto reparou que o portão abanava um bocado quando fechava e então decidiu fazer a única coisa lógica: ir de bicicleta o mais rápido possível contra o portão para ver se ele caía. Isto é o oposto da seleção natural, pensei eu. Mas, contra todas as hipóteses, sabem quem ganhou?
O Berto.
O Berto percebe de estruturas. Ele sabe que a parte mais frágil fica na zona mais afastada do mecanismo do portão, e foi exatamente contra esse sítio. No vídeo, o puto invoca todos os demónios que tem e pedala com uma fúria ridícula contra o portão, cai de frente e o portão fica todo arrebentado. Os pais só ouvem um estrondo, vão a correr e o puto, intacto, a celebrar.
"Pior foi no S. João no ano passado" conta-me o pai. Aparentemente o Berto vai para os carrinhos de choque dos miúdos e o pai pensa que é seguro. Erro crasso. O Berto estava determinado a criar o Mad Max portuense. Andou durante 2 minutos no carrinho dele até que o pai olha e o Berto está fora do banco, com outro puto a conduzir, a saltar para os carrinhos de outros miúdos. Miúdos esses que claramente só estão a questionar porque é que estão a ser vítimas de uma rusga. O gajo dos carrinhos não repara, o pai começa aos berros, o Berto distrai-se e pumba, lá vai um carrinho contra ele enquanto ele está no meio da pista. Ele cai. O gajo dos carrinhos desliga a cena toda de emergência, fica tudo escuro e eles vão para o meio da pista com lanternas do telemóvel. Mal apanham o Berto só está ele a sorrir, com os dentes cheios de sangue. 3 dentes partidos e a cara toda pisada porque foi com o focinho direto ao pára-choques de outro carro. O pai pergunta-lhe porque é que ele fez aquilo e o Berto responde que estava a tentar descobrir qual era o carrinho mais rápido para partir as bermas.
Entre esta e outras histórias, o pai avisa-me: se ele começa a fazer perguntas é porque vem aí merda.
Lá estou eu no hospital com o Berto, o puto todo coberto de papel higiénico no braço porque não tínhamos arranjado mais nada no restaurante e o Berto vê uns andaimes de uma zona do hospital em construção.
"Podemos subir aquilo?"
Eu começo a suar. O que aprendi na última hora foi que o Berto é uma ameaça e que não estou seguro com ele. Tento desviar-lhe a atenção como quem está a desarmar uma bomba. Consigo que o Berto comece uma conversa com uma senhora idosa sentada ao lado dele. A senhora tem uma espécie de andarilho ao lado dela. O Berto começa-lhe a perguntar como é que funciona aquilo e a senhora explica-lhe que é um suporte para andar porque é velhinha e eu a reparar que o puto está super curioso. Ui . Já não estou a gostar da brincadeira. Meto o puto a ver vídeos no telemóvel e finalmente compreendi porque é que os pais que deixam os miúdos a ver vídeos durante horas a fio. O puto só pesquisa "battlebots" e começa a ver um torneio daqueles robôs telecomandados à porrada. Passam-se uns minutos e chamam por nós.
O médico, que aparentemente já o conhece (quem diria) diz-lhe: "Nem vale a pena fechar a tua ficha".
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